A DESPENSA VAZIA. Subsídio para Lição Bíblica (3º Trimestre/2012) (comentado pelo Pr. Altair Germano)

“Fui moço e agora sou velho; mas nunca vi
desamparado o justo, nem a sua descendência a mendigar o pão.” (Sl
37.25)
PALAVRAS-CHAVE
‘azabh – Abandonado,
desamparado.
tsadiq – Justo, reto, aqueles que se
enquadra no padrão ético e moral de Deus (Gn 6.9; 2 Sm 23.3; Pv 29.2; Ez 23.45;
Ml 3.18).
zera‘ – Semente, posteridade,
descendentes.
baqas – Pedir, implorar, suplicar,
desejar.
INTRODUÇÃO
A escassez de alimento é uma
realidade que pode ser vivenciada pelo crente, sem que isso signifique que ele
esteja em pecado ou que seja considera injusto por Deus.
O Salmo 37.25 precisa ser bem
compreendido, pois tem sido interpretado e ensinado de maneira equivocada por
muitos. Nas traduções da Bíblia em português o termo hebraico bagas é traduzido geralmente por
“mendigar”, que para nós tem um sentido muito pejorativo, pois lembra a
atividade de um mendigo, aquele indivíduo maltrapilho que anda de casa em casa,
ou que se senta nas calçadas para pedir esmolas.
É preciso em primeiro lugar deixar
claro que a declaração feita no Salmo 37.25 é de Davi, e não de Deus. É Davi
quem afirma não ter visto um justo (aquele que anda conforme os padrões éticos e
morais de Deus) desamparado, nem a sua descendência mendigando pão (pedindo,
implorando, suplicando).
Em segundo lugar, pedir, implorar ou
suplicar pelo atendimento e socorro de necessidades básicas não significa
necessariamente adotar a postura do mendigo maltrapilho, embora no Novo
Testamento temos o caso de um mendigo chamado Lázaro que ao morrer foi para o
lugar dos justos, o seio de Abraão:
Ora, havia um homem rico, e vestia-se
de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e
esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio
de chagas à porta daquele. E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da
mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. E aconteceu que o
mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e morreu também o
rico e foi sepultado. E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu
ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio. (Lc 16.19-23, ARC)
Deus garante o suprimento dos justos,
dos que buscam em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça (Mt 6.25-34) ,
mas as formas de suprir tais necessidades é Ele quem em soberania e graça determina.
A PROVISÃO DE DEUS NO ANTIGO
TESTAMENTO
No Antigo Testamento podemos citar
alguns exemplos da provisão de Deus das necessidades básicas;
- Provendo para o povo de Israel no
deserto (Êx 15.23-27; 16.1-36; Dt 29.5-6)
- Estabelecendo leis de ajuda e
socorro aos pobres (Êx 23.10-11; Lv 19.9-10; 23.22; Dt 15.7-8)
- Provendo para Elias junto ao
ribeiro de Querite (I Rs 17.1-7) e em Sarepta (17.8-16)
- Provendo para uma viúva através do
ministério de Eliseu (2 Rs 4.1-7)
Como se percebe, as maneiras de Deus
suprir as necessidades de seu povo, filhos e criaturas são diversas.
A PROVISÃO DE DEUS NO NOVO
TESTAMENTO
No Novo Testamento, onde a
possibilidade de escassez de suprimento básico é também mencionada, encontramos
outros exemplos da provisão de Deus, principalmente através da mobilização em
favor dos necessitados, ou seja, da prática ou serviço social. Sobre isso,
entendo ser interessante uma abordagem mais ampla, que segue abaixo, e que já
foi publicada em outros subsídios de lições bíblicas anteriores, sobre o
referido tema.
A COMUNIDADE DOS BENS
Existem evidências históricas de que
a “comunidade dos bens”, entendida como a participação comum de um grupo em
todos os bens dos membros deste grupo, foi idealizada por Pitágoras (Kenner,
2004, p. 345) como um modelo utópico e ideal de convivência. Williams (1996, p.
78) e Champlin (2001, p. 824) fazem referência citação de Filo louvando os
essênios por esta prática. Josefo (2005, p. 827) relata sobre os essênios: “Possuem todos os bens em comum, sem que os
ricos tenham maior parte que os pobres”. E ainda, “Assim, eles se servem uns dos
outros e escolhem homens de bem da ordem dos sacerdotes, que recebem tudo o que
eles recolhem de seu trabalho e têm o cuidado de fornecer alimento a todos”
(Ibid.).
O Novo Testamento registra em várias
passagens esta prática (Jo 12.6; Lc 8.3; At 4.36, 57 e 5.1), estando o principal
episódio registrado em Atos 2.42-47. Para Champlin (Ibid.) “A a partilha informal, naturalmente
alicerçada sobre o amor de um crente por outro, é o padrão das virtudes cristãs,
mas isso não precisa transformar-se em uma partilha formal e obrigatória de
bens”.
IGREJA E COMUNISMO
Alguns defendem a ideia de que Atos
2.42-47 é uma proposta bíblica para o comunismo: “Porém, não há qualquer dogma, no Novo
Testamento, no sentido de que a experiência deveria ser universal, compulsória e
permanente”. (Ibid., p. 826).
Observemos a posição de outros estudiosos das Escrituras:
“O fato de mais tarde Barnabé ser destacado
por vender uma propriedade indica que esta prática não é algo que todos os
crentes fazem (At 4.36,37). Os novos crentes estão dispostos a compartilhar suas
possessões quando surgem necessidades (v. 45). O termo comunismo não descreve
esta prática. Antes, eles estão expressando amor espontâneo, e é completamente
voluntário”. (ARRINGTON, 2003, p. 640)
“O amor cristão manifestou-se num programa
social de assistência material aos pobres. Essa atitude cristã de partilhar com
os outros parece que se limitou aos primeiros anos da igreja de Jerusalém e não
se estendeu às novas igrejas conforme o Evangelho foi sendo levado através da
Judéia.” (PFEIFFER; HARRISON, 1987, p. 245)
“Um dos resultados foi a prontidão dos
crentes em partilhar seus bens uns com os outros. Isto se tornou prática comum
entre os crentes. O verbo está no imperfeito e podia ser traduzido assim:
‘continuavam a usar todas as coisas em comum’. Para esses cristãos a
espiritualidade era inseparável da responsabilidade social (Dt 15.4s; At 6.1-6;
11.28; 20.33-55; 24.17 ss). Parece que o comunitarismo teria sido uma solução
provisória neste caso, e necessário naquela circunstância”. (WILLIAMS, 1996,
p. 77)
“É verdade que Jesus ordenou a um jovem
governante rico que vendesse os seus bens e desse o dinheiro aos pobres (Lc
18.18-30), mas a razão para a ordem era testar a fé, e não forçar um nivelamento
social e econômico. [...] Jesus disse: ‘Porquanto sempre tendes convosco os
pobres, mas a mim não me haveis de ter sempre’ (Mt 26.11). (PFEIFFER; VOS;
REA, 2006, p. 440)
“Que conclusões podem ser tiradas, então, com
respeito à abordagem bíblica ao comunismo? Em primeiro lugar, A Bíblia
certamente não apóia o Comunismo Marxista com sua filosofia anti-Deus e seu
conceito de guerra de classes. Várias passagens (por exemplo Ef 6.5-9; Cl 3.22;
4.1) admoestam os trabalhadores a ter boas relações com os seus patrões e
vice-e-versa. Segundo, a posse pública da propriedade entre os crentes parece
ter sido restrita a Jerusalém. (Ibdem)
Entendo que tanto o Capitalismo
Selvagem, quanto o Comunismo Utópico, são sistemas sócio-político-econômicos
desprovidos dos princípios bíblicos de amor, comunhão, voluntariedade,
generosidade e justiça.
Como bem colocam Pfeiffer, Vos e Rea
(Ibid, p. 441) “Se os crentes hoje
desejarem viver em um acordo onde os cristãos tenham a posse pública dos bens,
eles devem se sentir livres para assim proceder; mas a Escritura não os obriga a
viver desta maneira, e eles não devem julgar os outros crentes que preferem
usufruir a posse privada da propriedade. Todos devem lembrar de que são
meramente mordomos de tudo o que Deus lhes tem dado, e que são exortados a
exercitar a mordomia fiel das posses que lhe foram confiadas.”
QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS DA PRÁTICA
SOCIAL NA IGREJA
"Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém
disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? Se
um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento
cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e
fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito
disso? Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta." (Tg
2.14-17)
Sempre que o tema "Ajuda aos
Necessitados" (Ponto III, subponto 3 da presente lição) é abordado, observamos
algumas reações e atentamos para alguns fatos no meio evangélico assembleiano.
Observemos alguns deles:
1. Um Grande número de alunos,
professores, dirigentes e superintendentes de ED questionam as poucas ações
concretas nesta área (chamada de "social");
2. Líderes de igrejas, aproveitando o
tema da lição bíblica, resolvem fazer campanhas de doações e socorro aos
necessitados, mas logo após o estudo da lição abandonam a prática;
3. Percebe-se que muitas igrejas
nunca vão além da simples distribuição aleatória e desorganizada de cestas
básicas, sem nenhum levantamento das reais necessidades dos beneficiados;
4. Uma ênfase num certo socialismo ou
comunismo cristão é dada, fruto de uma interpretação equivocada do tema
"Comunidade dos Bens". Interessante é que os que defendem teoricamente esta
ideia não a colocam em prática, partilhando todos os seus bens com os
necessitados;
5. Irmãos, individualmente ou em
"grupos", diante do descaso da "instituição" ou da "comunidade cristã" com a
ajuda aos necessitados, acabam se achando no direito de administrarem os seus
dízimos e ofertas, não levando em consideração as recomendações (determinações)
da liderança;
6. Igrejas se mobilizam para prestar
socorro às vítimas de grandes catástrofes naturais em outras regiões, mas no seu
cotidiano esquecem de socorrer os seus necessitados (Gl 6.10), e os que vivem em
situação de miséria na localidade ou comunidade onde está estabelecida;
7. Para dizer que socorrem os
necessitados, algumas igrejas afirmam manter hospitais, escolas, creches,
orfanatos, abrigos de idosos funcionando, casas de recuperação etc. Acontece que
em alguns casos, as condições de atendimento e assistência são muito precárias.
As pessoas lá atendidas sofrem de um grande descaso e desumanização;
8. É afirmado ainda, que a igreja faz
o trabalho social muito bem, mas sofre por não divulgá-lo. Entendo que pelo
menos os membros deveriam tomar conhecimento das ações em favor dos
necessitados;
9. A calamidade dos necessitados se
acentua diante da ostentação e da vida regalada de algumas lideranças, através
da aquisição e exibição dos símbolos capitalistas de "poder" e "status
ministerial". Na versão e lógica "espirituosa" deste capitalismo selvagem
(Teologia da Prosperidade), quanto mais o pastor ou líder fica rico (ou pelo
menos parecer), mas demonstra o quanto o seu ministério é abençoado por Deus.
Obviamente esta lógica acaba trazendo problemas para alguns líderes de igrejas
na atualidade. Por exemplo, podemos citar a necessidade de um pastor precisar de
"seguranças armados". Tal necessidade é resultado direto da ostentação já
citada. Citamos ainda o receio que alguns possuem de terem seus filhos ou
parentes sequestrados. Não consigo imaginar Jesus, Pedro, Paulo, João, Tomás de
Aquino, Agostinho, Lutero, Calvino e outros ícones da fé precisando de
seguranças particulares. Alguma (ou muita) coisa está errada. Viver dignamente
do evangelho foi trocado por viver esplendorosamente, luxuosamente ou
regaladamente do evangelho;
10. É interessante também afirmar,
que diante do exposto no ponto acima, dentro de um mesmo ministério, há líderes
que abusam das regalias enquanto outros passam extrema necessidade (contradição
social). A ideia, repito, não é a de vivermos um socialismo ou comunismo
ministerial cristão, falo sim (pois há uma série de fatores e variantes aqui
envolvidos) da necessidade de diminuir a distância "econômica", promovendo um
viver digno para todos.
Se a sua igreja mantém instituições
sociais, faça visitas periódicas ao local, e verifique se as condições
oferecidas são humanizadoras. Suas doações, ofertas e dízimos devem ser
administrados com responsabilidade.
CONCLUSÃO
Não vai adiantar muita coisa (ou
nada) estudarmos mais uma vez esse tema, sem refletir sobre a nossa atual
condição (cada um deve assumir a sua responsabilidade), sem discussão, sem
propostas de mudanças, sem planos e ações concretas.
Saber sobre, e perceber como as
coisas estão não é o suficiente. Necessário é mobilizarmo-nos, agirmos, tomarmos
uma iniciativa, para que o nosso discurso religioso, piedoso e pentecostal se
concretize com a prática do Evangelho Integral.
É necessário que o crente busque
trabalhar dignamente, que tenha cuidado com as dívidas, que procure viver dentro
de sua realidade econômica, que tenha sempre uma reserva financeira, para que
não venha a depender da ajuda social da igreja, ficando tal necessidade restrita
para casos extremos, fatalidades, imprevistos ou calamidades sobre as quais
nosso controle foge.
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